As razões do sucesso do cristianismo



Um tema que sempre apaixonou os historiadores é aquele das razões do triunfo do cristianismo. Uma mensagem nascida em um canto obscuro e desprezado do Império, entre pessoas simples, sem cultura e sem poder, em menos de três séculos, se estende a todo o mundo então conhecido, subjugando a refinadíssima cultura dos gregos e o poder imperial de Roma!

Entre as diversas razões do sucesso, alguns insistem no amor cristão e no exercício ativo da caridade, até torná-lo "o fator mais importante e poderoso para o sucesso da fé cristã", de tal forma que induziria mais tarde o imperador Juliano o Apóstata, a fornecer o paganismo de semelhantes obras de caridade para combater este sucesso.

Harnack, por outro lado, dá uma grande importância ao que ele chama de a natureza "sincretista" da fé cristã, ou seja, da capacidade de conciliar em si as tendências opostas e os diversos valores presentes nas religiões e na cultura do tempo. O cristianismo se apresenta ao mesmo tempo, como a religião do Espírito e do poder, que é acompanhada por sinais sobrenaturais, carismas e milagres, e como a religião da razão e do Logos integral, “a verdadeira filosofia”, nos dizeres de Justino Mártir. Os autores cristãos são "os racionalistas do sobrenatural", diz Harnack citando as palavras do apóstolo Paulo sobre a fé como "tratamento racional" (Romanos 12,1).

Desta forma o cristianismo reúne em si, num perfeito equilíbrio, o que o filósofo Nietzsche define o elemento apolíneo e o elemento dionisíaco da religião grega, o Logos e o Pneuma, a ordem e o entusiasmo, a medida e o excesso. É isto que, pelo menos em parte, entendiam os Padres da Igreja com o tema da "sóbria embriaguez do Espírito".

"A religião cristã – escrevia Harnack no final da sua monumental pesquisa – , desde o início, apareceu com uma universalidade que a permitiu reivindicar para si toda a vida inteiramente, com todas as suas funções, as suas alturas e profundidades, sentimentos, pensamentos e ações. Foi esse espírito de universalidade que lhe garantiu a vitória. Foi isso que a levou a professar que o Jesus proclamado por ela era o Logos divino ... Assim se ilumina com nova luz e aparece quase uma necessidade, até mesmo aquela poderosa atração pela qual chegou a absorver e a submeter a si o helenismo. Tudo o que era de alguma forma capaz de vida entrou como elemento na sua construção ... E essa religião não deveria vencer?".

A impressão que se tem ao ler este resumo é que o sucesso do cristianismo é devido a uma combinação de fatores. Alguns foram tão longe na busca das causas deste sucesso que encontraram vinte motivos a favor da fé e muitos outros que estavam agindo na direção oposta, como se o êxito final dependesse da prevalência do primeiro sobre o segundo.

Agora eu gostaria de destacar o limite inerente a tal abordagem histórica, mesmo quando esta é feita por historiadores que tem fé como aqueles que até agora tenho tido em conta. O limite, devido ao mesmo método histórico, é de dar mais importância ao sujeito do que ao objeto da missão, mais aos evangelizadores e às condições em que ela ocorre, do que ao seu conteúdo.

A razão que me empurra a fazê-lo é que isso é também o limite e o perigo inerente a tantas abordagens atuais e mediáticas, quando se fala de uma nova evangelização. Esquece-se de uma coisa muito simples: que Jesus mesmo tinha dado, antecipadamente, uma explicação da difusão do seu Evangelho e é dessa que devemos começar toda vez que nos propomos um novo esforço missionário.

Escutemos mais uma vez duas breves parábolas evangélicas, aquela da semente que cresce também à noite e aquela da semente de mostarda.

“E dizia: ‘acontece com o Reino de Deus o mesmo que com o homem que lançou a semente na terra: ele dorme e acorda, de noite e de dia, mas a semente germina e cresce, sem que ele saiba como. A terra por si mesma produz fruto: primeiro a erva, depois a espiga e, por fim, a espiga cheia de grãos. Quando o fruto está no ponto, imediatamente se lhe lança a foice, porque a colheita chegou’.”(Mc 4, 26-30).

Esta parábola, por si só, diz-nos que a razão essencial para o sucesso da missão cristã não vem de fora mas de dentro, não é obra do semeador e nem sequer principalmente do solo, mas da semente. A semente não pode ser jogada por si só, no entanto, é automaticamente e por si mesma que ela cresce. Depois de ter jogado a semente o semeador pode também ir dormir, a vida da semente já não depende dele. Quando esta semente é "a semente jogada na terra e morta", ou seja Jesus Cristo, nada poderá impedir que essa "dê muitos frutos". Pode-se dar todas as explicações que você quiser desses frutos, mas estas permanecerão sempre na superfície, nunca captarão o essencial.

Quem captou com clareza a prioridade do objeto do anúncio sobre o sujeito é o apóstolo Paulo.

"Eu plantei, Apolo regou, mas é Deus quem fazia crescer”. Estas palavras parecem ser um comentário sobre a parábola de Jesus. Não se trata de três operações com a mesma importância; de fato, o apóstolo acrescenta: " Assim, pois, aquele que planta, nada é: aquele que rega nada é; mas imorta somente Deus, que dá o crescimento”. (1 Cor 3, 6 -7). A mesma distância qualitativa entre o sujeito e o objeto do anúncio está presente em outra palavra do Apóstolo: "Mas nós temos este tesouro em vasos de barro, para que este grande poder seja atribuído a Deus e não a nós" ( 2 Cor 4,7). Tudo isso se traduz nas exclamações programáticas: "Nós não pregamos a nós mesmos, mas o Senhor Jesus Cristo!" e ainda "Nós pregamos Cristo crucificado".

Jesus pronunciou uma segunda parábola com base na imagem da semente que explica o sucesso da missão cristã e que dever ser tida em conta hoje, diante da imensa tarefa de reevangelizar o mundo secularizado.

“E dizia: ‘com que compararemos o Reino de Deus? Ou com que parábola o apresentaremos? É como um grão de mostarda que, quando é semeado na terra – é a menor de todas as sementes da terra – mas, quando é semeado, cresce e torna-se maior que todas as hortaliças, e deita grandes ramos, a tal ponto que as aves do céu se abrigam à sua sombra” (Mc 4, 30-32).

O ensinamento que Cristo nos dá com esta parábola é que o seu Evangelho e a sua mesma pessoa é a menor coisa que existe sobre a terra porque não há nada menor e mais fraco do que uma vida que termina numa morte de cruz. No entanto, esta minúscula "semente de mostarda" está destinada a se tornar uma grande árvore, de modo a acomodar em seus ramos todos os pássaros que vão refugiar-se ali. Isso significa que toda a criação, absolutamente toda irá ali encontrar refúgio.

Que contraste com as reconstruções históricas mencionadas acima! Tudo lá parecia incerto, aleatório, suspenso entre o sucesso e o fracasso; aqui tudo já foi decidido e garantido desde o começo! No final do episódio da unção de Betânia, Jesus pronunciou estas palavras: "Em verdade vos digo que, onde quer que este Evangelho seja anunciado, em todo o mundo, em memória dela se dirá também o que ela fez" (Mateus 26,13 ). A mesma consciência tranquila de que um dia sua mensagem seria anunciada “a todo o mundo”. E certamente não é uma profecia "post eventum", porque naquele momento, tudo pressagiava o oposto.

Até mesmo nisso quem melhor captou "o mistério escondido" foi Paulo. Me impressiona sempre um fato. O Apóstolo pregou no Areópago de Atenas e assistiu a uma rejeição da mensagem, educadamente expressada com a promessa de ouvi-lo em outra ocasião. De Corinto, onde ele foi logo depois, escreveu a Carta aos Romanos, onde afirma ter recebido a tarefa de conduzir "à obediência da fé todas as nações " (Rm 1, 5-6). O insucesso não avariou minimamente a sua confiança na mensagem: "Eu não me envergonho - grita - do evangelho, porque é potência de Deus para a salvação de todo aquele que crê, do judeu, primeiro, como do grego" (Rom 1, 16 ). Apóstolo Paulo, dá-nos um pouco "desta tua fé e desta tua coragem e não nos desanimaremos diante da tarefa sobre-humana que está diante de nós!

"Toda árvore, diz Jesus, é reconhecida pelos seus frutos" (Lc 6, 44). Isto é verdade para toda árvore, exceto para a árvore nascida dele, o cristianismo (e de fato ele está falando aqui dos homens); essa única árvore não é conhecida pelo fruto, mas a partir da semente e da raiz. No cristianismo a plenitude não está no fim, como na dialética hegeliana do devir (“o verdadeiro é o inteiro”), mas está no princípio; nenhum fruto, nem mesmo os maiores santos, acrescentam algo à perfeição do modelo. Neste sentido tem razão quem afirmou que “o cristianismo não é perfectível”.

Padre Raniero Cantalamessa