Difusão do Cristianismo



A partir de hoje, como forma de preparação espiritual para o Retiro dos dias 20, 21 e 22, com vistas a Renovação do Compromisso de Aliança, irei postar textos do Padre Raniero Cantalamessa para que os DCA's e Vocacionados possam ir meditando-os desde já.


Padre Raniero Cantalamessa, ofmcap.
Primeira pregação do Advento de 2011 à Casa Pontifícia


"Ide ao mundo inteiro"
A primeira ondada de evangelização

Em resposta ao apelo do Sumo Pontífice de um renovado compromisso com a evangelização e em preparação para o Sínodo dos Bispos de 2012 sobre o mesmo assunto, me proponho a identificar, nestas meditações do Advento, quatro ondadas da nova evangelização na história da Igreja, ou seja, quatro momentos nos quais se testemunham uma aceleração ou uma retomada do compromisso missionário. São eles:

1. A expansão do cristianismo nos primeiros três séculos de vida, até a véspera do edito de Constantino, cujos protagonistas, em primeiro lugar, eram os profetas itinerantes e, depois, os bispos;

2. Os séculos VI-IX, em que assistimos à reevangelização da Europa após as invasões bárbaras, especialmente pela obra dos monges;

3. O século XVI com a descoberta e a conversão ao cristianismo dos povos do "novo mundo", especialmente pela obra dos frades;

4. A época atual que vê a Igreja envolvida numa reevangelização do Ocidente secularizado, com a participação determinante dos leigos.


Em cada um desses momentos tentarei destacar o que podemos aprender na Igreja de hoje: quais erros evitar e os exemplos a imitar e quais contribuições específicas que podem dar à evangelização os pastores, os monges, os religiosos de vida ativa e os leigos.


1. A difusão do cristianismo nos primeiros três séculos.


Hoje começamos com uma reflexão sobre a evangelização cristã nos primeiros três séculos. Principalmente um motivo faz deste período um modelo para todos os tempos. É o período no qual o cristianismo encontra o seu caminho exclusivamente por própria força. Não há nenhum "braço secular" que o apoie; as conversões não são determinadas pelas vantagens externas, materiais ou culturais; ser cristão não é um costume ou uma moda, mas uma escolha contra a corrente, muitas vezes com risco de vida. Em alguns aspectos, a situação se voltou a criar hoje em diferentes partes do mundo.

A fé cristã nasce com uma abertura universal. Jesus tinha dito aos seus apóstolos para irem "ao mundo inteiro " (Mc 16, 15), para "fazerem discípulos a todas as nações" (Mt 28, 19), para serem testemunhas “até os confins da terra” (At 1, 8), para “pregarem a todos os povos a conversão e o perdão dos pecados” (Lc 24, 47).

A aplicação do princípio desta universalidade já acontece na geração apostólica, embora não sem dificuldade e lacerações. No dia de Pentecostes a primeira barreira é superada, a da raça (os três mil convertidos pertenciam a outros povos, mas eram todos crentes do judaísmo); na casa de Cornélio e no assim chamado concílio de Jerusalém, especialmente por impulso de Paulo, a barreira mais difícil de todas foi superada, aquela religiosa que separava os hebreus dos gentios. O evangelho tem, dessa forma, o mundo inteiro diante de si, ainda que por agora esse mundo seja limitado, no conhecimento dos homens, ao Mediterrâneo e às fronteiras do Império Romano.

Mais complexo é seguir a expansão de fato, ou geográfica, do cristianismo nos três primeiros séculos que, porém, é menos necessária para o nosso propósito. O estudo mais abrangente, e até agora insuperável a esse respeito é aquele de Adolph Harnack, "Missão e expansão do cristianismo nos primeiros três séculos"1.

Um aumento acentuado na atividade missionária da Igreja se realiza sob o imperador Commodo (180-192) e, em seguida, na segunda metade do século III, até às vésperas da grande perseguição de Diocleciano (302). Este, além das ocasionais perseguições locais, foi um período de relativa paz que permitiu à Igreja primitiva consolidar-se internamente e desenvolver um novo tipo de atividade missionária.

Vejamos em que consiste esta novidade. Nos dois primeiros séculos a propagação da fé foi confiada à iniciativa pessoal. Tratava-se dos profetas itinerantes, mencionados na Didaqué, que moviam-se de um lugar para outro; muitas conversões deveram-se a contatos pessoais, favorecidos pelos trabalhos comuns exercitados pelas viagens e pelas relações comerciais, pelo serviço militar e por outras circunstâncias da vida. Orígenes nos dá uma descrição comovente do zelo desses primeiros missionários:

"Os cristãos fazem todo o esforço possível para espalhar a fé por toda a terra. Para esse fim, alguns deles se propõem formalmente como tarefa das suas vidas o peregrinar não somente de cidade em cidade, mas também de município em município e de vilarejo em vilarejo para ganhar novos fiéis para o Senhor. Nem se passe pela cabeça, espero, que eles façam isso por lucro, pois até mesmo, muitas vezes se recusam a aceitar o que é necessário à vida".

Agora, na segunda metade do século III, estas iniciativas pessoais são cada vez mais coordenadas e em parte substituídas pela comunidade local. O bispo, até mesmo por reação aos efeitos de desintegração da heresia gnóstica, conquista a melhor sobre os mestres, como diretor da vida interna da comunidade e centro propulsor da sua atividade missionária. A comunidade é agora o sujeito evangelizador, a tal ponto que um erudito como Harnack, certamente não suspeito de simpatia pela instituição, possa afirmar: "Devemos ter por certo que a mera existência e a atividade constante das comunidades individuais foi o principal fator na propagação do cristianismo".

No final do terceiro século, a fé cristã penetrou praticamente todos os estratos da sociedade, já tem sua própria literatura em língua grega e uma, embora no início, em lingua latina; possui uma sólida organização interna; começa a construir edifícios sempre mais amplos, sinal do aumento do número de fiéis. A grande perseguição de Diocleciano, além das muitas vítimas, não fez nada mais que destacar o fato de que a força da fé cristã já era irreprimível. A última luta de braço entre o Império e o cristianismo é testemunha disso.

No fundo, Constantino não vai fazer nada mais do que tomar nota dessa nova relação de forças. Não será ele que vai impor o cristianismo para o povo, mas o povo que vai lhe impor o cristianismo. Afirmações como aquelas de Dan Brown no romance "O Código Da Vinci" e de outros propagadores, segundo os quais foi Constantino, por razões pessoais, a transformar, com o seu edito de tolerância e com o concílio de Nicéia, uma obscura seita religiosa judaica na religião do império, são baseadas numa total ignorância dos fatos que precederam esses eventos.