Fugi da ganância II



Em continuação a nossa meditação sobre a situação de miséria dos filhos de Deus, fruto da ganância de poucos, muitos pessoas dizem: isso é dever do estado.

Pode até ser, mas o estado, em si mesmo é uma abstração jurídica, que, sem povo, não passa de teoria. O estado, nada mais é, do que uma entidade jurídica, composta de leis e regulamentos, que regem um determinado espaço geográfico que é reconhecido pelos demais países como uma entidade soberana.

Não existiria estado se não existisse o ser humano. O estado, tal qual como conhecemos, é uma criação humana. Um cavalo ou uma vaca não cria e nem administra um estado. Não cria leis e regulamentos além daqueles que já estão gravados dentro do seu instinto animal de sobrevivência.

Se o estado inexistiria na ausência da espécie humana, logo a responsabilidade pelo bem de todos é de todos nós, seres humanos.

Se pessoas passam fome é porque somos complacentes. Se pessoas morrem nas filas de espera de hospitais é porque somos cúmplices. Seja de modo direto (autoridades legalmente constituídas) ou indireto (cada um de nós), toda a sociedade tem culpa na desgraça de muitos que, nem para mais nem para menos, são exatamente iguais a nós perante Deus e, até mesmo, perante o tão propalado estado de direito.

E por que nada é feito? Falta de vontade, falta de luta e falta de empenho coletivo. É cada qual cuidando do seu umbigo, dos seus interesses, do seu patrimônio, do seu bem estar.

E os outros? Os outros são sempre os outros e não eu. Ele que se cuide. Ele que busque o seu “lugar ao sol”. Ele que, através do seu trabalho e da sua dedicação, faça por merecer! Esta é a mentalidade reinante, mesmo entre alguns cristãos (E o Cristo nos ensinou?).

Só agimos desta forma porque não se trata de alguém da sua família, de uma pessoa que você conhece e ama. Quando isso ocorre logo fazemos tudo que está ao nosso alcance. Mas será que, mesmo sem muitas posses, não poderíamos fazer algo mais. Ajudar um vizinho, um parente. Se todos nós fizéssemos um pouquinho a mais será que haveria tanta fome e miséria?

O sistema, meu irmão, é cruel. Os poucos ricos vivem da pobreza de muitos. E isso se explica por um princípio físico-matemático: para ter muito em um lugar é necessário ter pouco em outro. Se só existem dois sapatos (um par) eles não poderão calcar quatro pés. É algo lógico, mas que poucas pessoas falam.

E quando alguém quer ser diferente? É doido. Não está pensando no futuro. Não está enxergando a realidade tal como ela é. É, simplesmente, excluído do seu grupo de amigos.

Se isso não for feito de modo claro, é feito de modo implícito, através de colocações maliciosas, revestidas de raríssima inteligência.

Às vezes fico pensando onde vamos parar. Pensando se sempre foi assim e se nada vai mudar. Chego à triste conclusão que desde que o homem é homem (mais precisamente desde o momento que se afastou do Criador) ele é assim. E caso não haja uma conversão coletiva que comece em cada coração, nada vai mudar. Tudo continuará como está. E porque não dizer que, por tudo aquilo que temos visto, vai piorar. Não se trata de uma visão pessimista ou apocalíptica, mas de uma leitura da realidade. Posso estar errado, mas está é a minha visão.

Vejamos bem o que Jesus falou: “ATENÇÃO! TENHAM CUIDADO COM QUALQUER TIPO DE GANÂNCIA. PORQUE, MESMO QUE ALGUÉM TENHA MUITAS COISAS, A SUA VIDA NÃO DEPENDE DE SEUS BENS” (Lc 12, 15).

Esta passagem da Sagrada Escritura está em letras garrafais e em negrito para que nenhum de nós esqueçamo-nos disso. Como cristão não podemos agir de modo diferente do nosso mestre, pois incorreremos em contradição performativa.

Tenhamos o básico para viver e procuremos, no possível, e em alguns casos no impossível, ajudar aos nossos irmãos, pois somos filhos do mesmo Pai e companheiros de Pátria Celeste. Parece simplório e repetitivo, mas se cada um de nós fizermos um pouquinho tudo será transformado.

Por fim me pergunto se não estou sendo apelativo demais. No entanto, penso que podemos ser apelativos de dois modos. O primeiro é fazendo uso de algo mentiroso. E o segundo é fazendo uso de algo real. Como tenho consciência de que se trata do segundo fico mais a vontade. Além disso, apelo é sinônimo de invocação, chamamento, convite ou sugestão para se prestar auxílio. E se é desta forma sejamos todos apelativos.

Encerro com uma pequena história real que vivenciei em sala de aula.

Outro dia desses, numa aula, estava falando da concentração de renda. Explicava que parecia absurdo um jogador de futebol ganhar mais de 1 milhão de reais por mês. Antes de terminar o meu raciocínio um aluno replicou: mas ele merece professor. Veja bem a frase: ele merece. Diante da intervenção se abateu sobre mim dois sentimentos: tristeza e compaixão.

Tristeza porque demonstra um certo grau de ignorância de uma pessoa que está numa sala de aula e, supostamente, deveria ter mais consciência da realidade que o cerca. Compaixão porque é um sentimento cristão e, ao mesmo tempo, que brota do coração de todo professor diante de algumas situações.

Logo depois perguntei a ele: quanto o seu pai ganha por mês? – ele respondeu: um salário mínimo. Prossegui: ele trabalha quantos dias por semana? – de segunda a sábado. De que horário? – de oito da manhã às cinco da tarde.

Os sentimentos aumentaram. É muita cegueira.

Aí perguntei: já que você me respondeu que o jogador merece, pergunto se o seu pai não merece? – ele respondeu: acho que sim. Ô meu Deus! Quanta ignorância! E por que ele não ganha? – ele não soube responder.

Onde vamos parar?

Depois fiquei sabendo que é o salário mínimo que o seu pai recebe ainda vem com descontos. Desta forma, ao final do mês, ele não recebe nem sequer um salário mínimo completo. Porém, mesmo este fato não é suficiente para abrir os seus olhos. Que pena.

Mas, infelizmente, a sociedade apregoa que está tudo bem. Que não tem nada demais. Entretanto, como cristão, sabemos que tem sim muita coisa. Muita coisa errada que precisa ser modificada.

Que o Senhor Jesus nos ajude a fugir da ganância que gera, por onde passa, desgraça na vida de muitos, em detrimento da boa vida de poucos.

Graça e Paz.